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É falsa a afirmação de que há muita terra para pouco índio no Brasil

Povos ocupam 13% da área nacional e quase todas as demarcações estão na Amazônia Legal; no restante do país, eles ficam espremidos entre os latifúndios e as cidades

MonitoR7|Diego Alejandro, do R7*

Em vários estados do Brasil, índios vivem em áreas pequenas
Em vários estados do Brasil, índios vivem em áreas pequenas Em vários estados do Brasil, índios vivem em áreas pequenas

Quase todo mundo já ouviu a afirmação de que "há muita terra para pouco índio no Brasil". A declaração, reproduzida por latifundiários e políticos, principalmente os ligados à bancada ruralista do Congresso Nacional, ganhou força com o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), que repetidas vezes disse que seu governo não demarcaria um centímetro de terra indígena. Ele pretendia também rever demarcações feitas em gestões anteriores.

Representantes do atual governo, como o secretário de Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia, afirmam que os índios são “os maiores latifundiários do país”.

Observando os dados totais de terras destinadas a esses povos, que correspondem a 13% do território nacional – 1,1 milhão de quilômetros quadrados – e abrigam, de acordo com o Censo de 2010, aproximadamente 572 mil pessoas, parece mesmo haver uma discrepância.

No Censo, 896 mil pessoas se declaravam indígenas, mas mais de 300 mil viviam em cidades.

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Numa conta rápida, haveria mais de 1,9 km² de terra para cada indígena. Na prática, porém, muitos povos estão concentrados em áreas pequenas e ameaçadas de invasão.

De ínicio, é preciso checar onde estão essas populações: 98% das TIs (Terras Indígenas) estão situadas na Amazônia Legal, área reconhecida por lei que engloba nove estados do Brasil e que conta em seu interior com regiões gigantescas e inabitáveis. Os outros 2% se espalham pelo restante do território nacional.

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Apenas 62% da população indígena vive na Amazônia Legal. Ou seja, 38% ocupam somente 2% das terras.

Na Amazônia, áreas que deveriam estar protegidas e ser exclusivas dos povos que sobreviveram à exploração branca em mais de 500 anos de história do Brasil, veem com cada vez maior velocidade o avanço dos garimpos ilegais e a retirada irregular de madeira, entre outros abusos.

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Sem espaço em vários estados

Há exemplos mais significativos do pouco espaço ocupado pelos índios, principalmente em estados marcados pela agropecuária.

Em Goiás, os povos originários têm direito a somente 0,1% dos mais de 340 mil km² do estado, o que obriga boa parte dessa população a viver fora de seu hábitat, muitas vezes marginalizada nas grandes cidades.

No Sudeste, a situação é ainda pior. Os índios ocupam 0,3% das áreas de São Paulo e 0,2% das de Minas Gerais.

Índios precisam de mais área porque, ao contrário do restante da população, tiram todo o seu sustento da terra. É preciso levar em conta também que parte de suas regiões conta com acidentes naturais e terras nas quais é impossível o plantio. 

Os verdadeiros latifundiários do país, os que mais repetem o mantra de que há “muita terra para pouco índio”, dominam 20% do território nacional. Além disso, 22% do país é formado por pastos — e metade disso tem algum grau de degradação, ou seja, com uso pouco produtivo.

Em Mato Grosso do Sul, um dos estados campeões em conflitos por terras indígenas, propriedades rurais se espalham por 86% do território, enquanto os indígenas têm demarcados 2,4% das terras.

Latifundiários têm 10 vezes mais espaço

Um estudo de 2019 – Who Owns Brazilian Lands? (Quem são os donos das terras brasileiras?) – feito por 14 pesquisadores brasileiros e estrangeiros e publicado na revista científica Land Use Policy mostra quem são os verdadeiros latifundiários no Brasil: 97.456 grandes propriedades rurais ocupam 1,8 milhão de km². Comparativamente, um grande proprietário rural é dono, em média, de 18,7 km², enquanto um indígena ocupa 1,9 km², proporção quase dez vezes menor.

Outro fator observado foi a alta densidade populacional em quase metade (295) das terras indígenas.

Um argumento econômico costuma ser usado para defender as propriedades rurais: ao contrário das terras demarcadas dos índios, os latifúndios contribuiriam com a economia nacional.

A tese, que desconsidera a necessidade de buscar o modo de vida original desses povos e a importância das demarcações na preservação do meio ambiente, ignora que há áreas gigantescas sem nenhuma utilidade no país que poderiam ser usadas com objetivos econômicos.

O estudo de 2019 mostra que 16,6% de todo o território nacional é constituído de terras públicas sem destinação, que não têm registro de propriedade em nenhum banco de dados oficial. Ou seja, um sexto do país não tem dono, uma área maior que a ocupada pelo Peru, com 1,4 milhão de km².

Índios preservam mais o meio ambiente

Quase um quinto de todos os animais e plantas da Amazônia vive nessas reservas indígenas, que retêm 25,5% (cerca de 13 gigatoneladas) de todos os estoques de carbono do Brasil.

Dados do MapBiomas sobre a evolução do desmatamento nas últimas três décadas (1985-2017) mostram que a perda florestal em Terras Indígenas e Unidades de Conservação foi de 0,5%. Em outras áreas públicas não protegidas legalmente a perda chega a 5%. Já em propriedades privadas, alcançou 20% no mesmo período.

Segundo os pesquisadores Rodrigo Anzolin Begotti e Carlos Peres, autores do estudo Rapidly Escalating Threats to the Biodiversity and Ethnocultural Capital of Brazilian Indigenous Lands (Ameaças em rápida escalada à biodiversidade e ao capital etnocultural das Terras Indígenas Brasileiras), a modificação do status de proteção das terras indígenas ou sua abertura a atividades econômicas como mineração e agricultura voltada à produção de commodities afetarão a integridade etnocultural e prejudicarão os compromissos do Brasil com a mitigação das mudanças climáticas e a proteção da biodiversidade.

Portanto, há erro ao utilizar os dados gerais sobre a quantidade total de terras indígenas para o estabelecimento de programas de colonização agrícola ou de desenvolvimento regional, dizem os pesquisadores.

A demarcação dos territórios é uma dívida histórica, que se tornou obrigatória a partir da Constituição de 1988, que definiu o prazo de cinco anos (até 1993) para que o governo concluísse a demarcação de todas as áreas de proteção.

No entanto, até hoje pelo menos 821 terras indígenas apresentam alguma pendência do Estado para finalização do processo demarcatório, segundo relatório do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).

Em 1500, ano do descobrimento do Brasil, calcula-se que havia entre 3 milhões e 5 milhões de índios por aqui. Nos 520 anos de história do país, eles foram perdendo suas terras e sendo empurrados para áreas com menor interesse para os grupos econômicos. Desde a redemocratização, na década de 1980, apenas o governo atual não demarcou terras indígenas.

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*Estagiário do R7, com edição de Marcos Rogério Lopes.

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