“Policiais civis de São Paulo não estão prendendo traficantes, somente a Polícia Militar.” Essa é uma das afirmações do vídeo que circula pelo WhatsApp com dados distorcidos sobre o número de prisões no Estado de São Paulo, feita pelo policial militar aposentado Reinaldo Pereira Zacharias.
Para justificar sua denúncia, Zacharias utiliza estatísticas da SSP (Secretaria de Segurança Pública). “Olhei os dados e descobri que, em 2019, foram presos aproximadamente 40 mil traficantes. Em 2020 e 2021, também. Só que, em 2022, praticamente no meio do ano, foram presos apenas 8 mil traficantes. Se dobrar esse número até o final do ano, vai dar uns 16 mil”, afirma no vídeo.
De acordo com a SSP, em 2019, 47.483 pessoas foram presas por tráfico de drogas, em 2020, 41.560, e em 2021, 38.619. Por enquanto, neste ano, estão disponíveis apenas os dados do primeiro trimestre (8.134 presos), e não de seis meses, como ele afirma. Isto é, os números apresentados pelo policial militar estão corretos, porém foram manipulados.
Caso os próximos meses sigam a tendência do primeiro trimestre, mais de 32 mil traficantes serão presos até o fim do ano em São Paulo, e não 16 mil como foi dito por Zacharias.
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Sobre a queda do número de presos por tráfico nos últimos três anos, a presidente do Sindpesp (Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo), Raquel Kobashi Gallinati, explica que “as estatísticas de praticamente todos os crimes sofreram queda em função da pandemia, quando a população ficou em quarentena e só atividades essenciais, como a saúde e a segurança, foram mantidas”.
Ao comparar os dados dos primeiros meses de 2022 com os do mesmo período nos últimos três anos, percebe-se que realmente caiu um pouco o número de traficantes presos, porém isso pode ter mais a ver com a pandemia de Covid-19 do que com uma mudança de procedimento das forças de segurança.
Em 2021, foram 10.437 no primeiro trimestre, em um período daquele ano em que a doença parecia estar controlada. Ao contrário do ano anterior, a variante Ômicron, no início de 2022, foi responsável pelo aumento de casos e mortes e pela retomada de medidas restritivas para conter o novo coronavírus.
Segundo Reinaldo Pereira Zacharias, um dos culpados pela redução das prisões pode ser um sistema, chamado Safira, que teria burocratizado o processo para emissão de mandados. O programa foi criado pelo Denarc (Departamento de Investigação sobre Narcóticos).
A presidente do Sindpesp diz que o Safira é, na verdade, uma ferramenta que auxilia as polícias e impede ilegalidades e injustiças. "A atualização desses sistemas evita que a prisão seja um fim em si mesma e caia em instâncias superiores da Justiça."
Diferença entre as polícias
Também é necessário esclarecer que a Polícia Militar e a Civil têm funções diferentes, o que explica a disparidade de prisões entre as instituições. “A Polícia Militar faz o policiamento ostensivo e preventivo, logo ela realiza o primeiro atendimento à população. É a Polícia Militar que faz as prisões quando é acionada para atender ocorrências e quando flagra situações criminosas durante a ronda ostensiva”, afirma Gallinati.
Por outro lado, “a prisão realizada pela Polícia Civil está fundada em investigação e na coleta de provas, não no flagrante do crime”, o que explica a menor quantidade de prisões. Os policiais militares costumam prender suspeitos nos pontos de venda de drogas, conhecidos como biqueiras, enquanto os policiais civis se concentram em traficantes de alto escalão.
Outro lado
Ao MonitoR7, Zacharias contou que trabalhou durante 20 anos na Polícia Militar. Cerca de dez anos atrás, ele foi preso por insubordinação e se aposentou em 2015. De acordo com o Tribunal de Justiça Militar, o processo já foi arquivado a pedido do Ministério Público de São Paulo.
Atualmente, ele é um digital influencer com a missão de dar voz aos policiais insatisfeitos com a corporação, além de fazer críticas aos oficiais de alta patente pelas redes sociais e em seu podcast.
Entre as motivações de Zacharias para gravar o vídeo sobre a queda de prisões de traficantes aparecem relatos de policiais civis que afirmam que “não estão mais mexendo nas biqueiras”. Questionado sobre as fontes dessas denúncias e das informações, o PM aposentado se limitou a informar que são verdadeiras, mas sigilosas.